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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

'Importante é que as pessoas sintam'

'Importante é que as pessoas sintam'

'Importante é que as pessoas sintam'
"Espírito da mulher de Tio Boonmme já morta surge à mesa"
Foram diversos encontros com Apichatpong Weerasethakul, para falar de Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas. O primeiro foi em Cannes, em maio passado, horas antes de ele saber que o júri presidido por Tim Burton lhe outorgara a Palma de Ouro. Depois, em Buenos Aires, durante a realização do Festival 4 + 1. Em seguida, a master class que Apichatpong deu na capital argentina. Ele sabe que seu nome é complicado para os ouvidos ocidentais e o simplificou-o para 'Joe'. Tio Boonmee estreia nesta sexta-feira, 21, nos cinemas brasileiros. Vejamos o que Joe tem a dizer.
Espíritos que assumem a forma de animais, tio Boonmee que está morrendo. Seu filme é estranho. Como você o explica?
É o pedido que mais me fazem. Acho que é mais importante tentar embarcar no filme como experiência sensorial, ou emocional. Cada vez que tento explicá-lo, a explicação sai diferente. Trabalhei três anos e meio no projeto. Fundamentalmente, diria que é uma obra de amor, para amorosos do cinema.
A história é verdadeira, mas parece fantástica. O que é real em Tio Boonmee?
Quando li o livro do monge budista tailandês, ele já havia morrido. A história de suas vidas passadas me atraiu porque passei minha infância num hospital. Meus pais eram médicos residentes. As outras crianças e eu não tínhamos ideia da dor nem do sofrimento. Brincávamos no necrotério. O livro sobre Tio Boonmee me devolveu aquelas sensações. Não quero dizer que acreditasse 100% naquelas histórias, mas elas me atraíam. À medida que avançava, me interessei cada vez menos pela realidade, se era possível ou não. Como em toda ficção, tomo liberdades.
Qual a relação do filme com seu projeto Primitive?
Estava no nordeste da Tailândia trabalhando com jovens na aldeia de Nabua, quando li o livro. Nos anos 1960, por conta da violenta repressão política, muita gente morreu na região. Havia um bloqueio das lembranças dos sobreviventes. Tio Boonmee me deu a chave sobre como essas lembranças poderiam vir à tona.
Há um mistério no seu cinema. O caçador e o tigre em Mal dos Trópicos, a princesa que faz sexo com o peixe em Boonmee. De onde vem isso?
Da imaginação. Como digo, não espero que as pessoas acreditem. É mais importante que elas 'sintam'.
Crítica: Luiz Zanin Oricchio
Paulo Emilio Sales Gomes, o grande crítico brasileiro, dizia que nunca estamos completamente preparados para uma revolução, uma paixão ou um filme excepcional. Essa sensação de que o chão falta sob nossos pés é causada, por exemplo, por um filme como Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, do tailandês Apichatpong Weerasethakul. Não existem critérios de comparação porque Apichatpong parece original por completo. Só o medimos por ele mesmo, ou pelo que conhecemos de sua obra, em especial o também enigmático Mal dos Trópicos.
Como se aproximar desses filmes? Notando o que há neles de comum, talvez o fascínio pela selva, como se fosse o local, fora da cidade, onde o diretor espera por algum tipo de epifania. Sim, porque existe algo como uma iluminação esperando por esses personagens que se movem no labirinto das florestas. Pode ser um tigre que espreita o caçador, como em Mal dos Trópicos; podem ser almas de pessoas que já morreram, como em Tio Boonmee. Tudo é estranho. Mas a arte de Apichatpong faz essas extravagâncias parecerem naturais. Como nos parecem naturais os sonhos, por absurdos que os achemos ao despertar. Há um tempo do sonho e um tempo da vigília. Há um tempo do cinema e um tempo da 'vida normal'. Apichatpong explora essa possibilidade de existências sobrepostas, uma tão real como a outra, mesmo que ofendam o pensamento lógico. Ou que destruam do pensamento único realista que domina o cinema contemporâneo.
A ideia do filme, conta o diretor, é livremente inspirada em livro de um monge, que fala exatamente em reencarnação. No texto, em determinado momento, o autor se refere a um certo Boonmee, que teria a capacidade de recordar-se de suas vidas passadas. Eis aí o nosso personagem. Com o detalhe de que o Boonmee do filme está doente, e, moribundo, resolve se retirar para a floresta. Recolher-se para a morte - e esta é a meditação que passa em filigrana pela narrativa que tem na memória seu tema mais forte. Se é que se pode chamar narrativa a uma experiência bastante sensorial, buscada pelo apuro estético de quem também é artista plástico e sabe construir uma imagem para obter determinados efeitos. O principal desses efeitos, parece, é nos arrancar do embrutecimento cotidiano e nos fazer reabrir os olhos e enxergar alguma coisa, mesmo que indefinida. Não é pouco.

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